Fuuu

as correntes de ar são
feitas de miçangas de oxigênio
e cordões de carbono

as nuvens não,
são embromações de silêncio
trovões e abandono

as definições são o estado sólido do desconhecido.

Mediterrâneo

julho, julho, julho, julho
julho

onde fica a gávea no mês do mergulho?

que não vê a ave que nada
quando o peixe ascende a cabeça fora da grade de oxigênio

o primeiro bote dá medo pra quem vira alimento

o segundo é só uma embarcação

mais surrada e mais linda
a cada volta a cada volta a cada volta

a cada

beijo da proa na praia.
a mente é frágil.
qualquer coisa desmente.

.cisco

tem uma goteira infinda pingando gotas de realidade em minha pupila. e quanto mais eu pisco mais acordado me vejo como um cisco no mundo. outro dia a morte piscou pra mim duas vezes, mas eu fingi e fugi pela alameda que dava pra infância onde tudo era embaçado e suficientemente incólume. e olha o que me ocorreu agora: a questão é indefinível. que espectador mais fajuto esse, que enquanto vive e assiste, ainda insiste em não afogar.

Morrer de sol

a tesourinha não sabia mais o que fazer quando escorregou no pescoço de uma girafa de origami e desceu cortando tudo quanto é ar que tava no caminho. picotava entre risos e gargalhadas o vexame de um tropeço aéreo, até calar na queda brusca quando entortou a ponta. e como não consegue chorar, tilintava entre soluços e lamentava a maldita gravidade. porque, também, era culpa dela que os pedacinhos de papel não iam pro céu virar estrelas e morrer de sol.

O cotonete de Van Gogh e seu irmão Cornelius

olha lá a linha da vida escorrendo na palma da mão suspensa. abusando o pulso frouxo do lado de fora da banheira. eu sou daqueles que respeita a subversão e a submersão. como aquele cachorro ali lambendo o anel de formatura a quinze minutos. quinze minutos de mistério. outro tempo, o tempo canino. porque os objetos sustentam a memória de um corpo morto mais que o próprio. mesmo que os pertences são entregues à família, graças ao esquecimento, alguns brincos pequenos e modestos sobrevivem ao necrotério.

Adega adentro

desce grave na ingestão do prosecco
quando bebo
em goles amiúde
o que devo e não devo

ou o que pago calmamente
com cédulas de sobriedade.
...
- O amor é feito pra quê?
- Pra gente gostar de ser.
e por falar em bagagens, ninguém é básico.

Questão de tempos

de tempos em tempos,
eu me,
de ti,
detenho

de tempos em tombos,
te vi,
em mim,
movendo

de tantos encontros,
tive que,
em torno de tudo,
descolorindo

de frentes em versos,
me li,
em troca de nada,
divertindo.

Sou de Câncer ou O horóscopo é pouco

antes de qualquer signo
eu sigo
digno
de todo sentimento que me dão de beber
e o horóscopo, rs
é muito pouco
diante do copo
de sensações que me umedece.
para ouvir a eternidade eu guardei uma abelha num cubo de papel.
mas ele afundou.

Braille comigo

porque eu só vou calar quando você fechar os olhos
e nos sonhos dos outros eu costumo ficar em silêncio
por isso, não me leia
braille comigo.

To me

transcrevo
tua tez to me
___texto-me.

a cicatriz do segredo é o silêncio

a cicatriz do segredo é o silêncio.

nem o vento respeita as cortinas
mas eu suspeito que elas sabem disso.

quando eu estou na sala eu também existo.
quando eu estou em você sou fictício.

ainda não souberam me dizer o que é verídico
e quando eu aprender eu também omito.

Não tem goteira no manicômio

não tem goteira no manicômio. não tem fé na cafeteira. mas eu não temo quando o assunto dilata porque ficou um pouco da chuva de setembro em cima da telha que não escorre, ainda que qualquer estrela assuma seu brilho de ego diante de qualquer cometa há anos luz piscando dias cotidianamente como quem não quer nada de novo no foco, como quem não sabe se foge ou se fogo. não tem. não tem nem um pouco de lama suspenso no cadarço branco aderindo passo-a-passo rente ao asfalto morno de cadáver de bicho noturno. não tem uma pausa pra mariposa presa na dianteira do automóvel, toda imóvel a bichinha, de tanta velocidade na cara de aventura ficando sem ar de tanto respirar fluxo.
só tem um cego que acabou de passar na rua fazendo barulho de bengala com seus passos surdos.

Macro

a ponta ria
pra língua na tela
               notá-la

dando corda.

Qualquer coisa da maior importância

uma linha em negrito percorreu por mim em traços firmes da ponta da imaginação até o dedão do pé da tua cama. onda a onda em teu lençol, galgava entre pérolas daquele colar de contas. não façamos de conta que o pedido não é nosso; e dispostos na mesa uma vez, em transe viemos à tona. e agora apronta que eu quero aquela ponta, de comprometimento. chega de cinzas sozinhas. agrida-me com tudo aquilo que deixamos no ar, como arma para nós mesmos. desarmaremos para amar. sejamos qualquer coisa da maior importância pendurados de desejos muitos, mútuos, múltiplos. místicos.

Quando o corpo é a casa, a casca e a causa

a bolha é tão boba
que bóia e que voa
sem ter asa

ainda que seja a casa
onde o ar abriga e abraça

ainda que seja a causa
onde mora o riso quando alguém assopra

e mesmo que a sopa esteja quente
eu sopro pras letrinhas
virarem palavras minhas.

Cúmpli-se

o vento deixou de molho
em lágrimas
um cisco
em mim

invento quem eu deixei
em lástima
e pisco
pra mim.

Chove barulho


Lixo comedido

Antes de ser, eu tô aqui sendo. Eu estou em fase de retribuição. Assim eu me divulgo e vou vagando no mundo com nossas construções. Umas ficam pelo caminho, meio inacabadas. Meu cimento é pouco para tanto tanto capricho. Estamos num lixo comedido. Eu sigo conosco além do que minha própria tez se faz intacta. Eu gosto do "in", eu sou o "it"... Eu gosto do insubstituível, do insano, do introspecto, do indivíduo em SÓ... perdão, do indivíduo em SI. Em síntese, eu somo. Eu sou o que há de nós, e de nós para aquele jardim de acácias e vivências e existências. Eu sou o que há em nós. Talvez sejamos em mim, um alguém tão mais que há de vir e chegar - e sobretudo, se sentir bem. Vamos falar de acúmulos que, de tão pouca audiência, ainda é demais. Vamos falar daquilo que cabe dentro da gente. Vamos falar de po-dri-dão, por que não? Sejamos apenas aquilo que nos move. Ou aquilo que nos comove. Movimentamos no outro além de nosso próprio transporte. Melhor que romper sozinho é rompermos unidos. Vamos nos corromper!

Por que quando eu falo em primeira pessoa você acha que sou eu?

Por que quando eu falo em primeira pessoa você acha que sou eu? Eu caiu em cima de um monte de camisas amassadas. Eu gostou de roçar na parede pela primeira vez - e ainda gosta. Eu bebeu pra vomitar sua sobriedade em cima de uma estampa desenhada através de - como é mesmo que chama? - hialografia. Conjulgo as coisas num estado de cooperação emotivamente egoísta sempre que me dá um conforto bacana quando sinto que esse bolso só tem espaço para mim, com ou sem botão. Mas, se puder, me ajuda a fechar esse zíper porque eu esqueci de me virar pelo avesso antes de entrar aqui. Continuamente, por favor. E nós? Você sabe dar? Cegos, surdos ou de 4? Dê um nó de 4, então. E me ter, você sabe? Depois de constantes transbordamentos nos últimos tempos eu desaprendi de me ter. E me tinha melhor quando era mais hermético como uma lata de sardinha. Lembro que podia caber tranquilamente um mar inteiro lá dentro - além de mim, claro. Eu juro que construí até um porto naquele pote em tempos de tempestade. Mas a bonança destruiu. Fiquei tão raso que faltou fôlego para afundar de uma vez. Ande logo com esse zíper ou corra com essa faca. Percorra! - léguas faiscando estrelas com essa ponta no asfalto.
Eu morreu.
Eu _ _ _ri.

Um pedaço de plástico-filme de ação

Da padaria até em casa gasto 5 minutos. Tempo suficiente para a cereja do pedaço de bolo de chocolate morrer asfixiada com o plástico-filme. Diferentemente de como faço sempre, hoje eu comi a cereja antes. Senti uma leve ardência - talvez tenhamos esse mesmo sabor, quando a morte nos morder algum dia. A digestão varia de pessoa pra pessoa. Mas eu penso que a digestão DE uma criancinha deve ser tão rápida quanto a de uma maçã - ou de uma minhoca, segundo um peixe de aquário que eu tinha em 2004. Vivia faminto. Uma vez eu li que os filmes também podem ser digeridos. Que um curta é feito de minutos e exibição. Uma fruta também. Já um bolo possui muito mais ingredientes. Assim como nós.
E assim como um bolo, eu gosto de ser mordido. Assim.

Eu já fui um alpinista

Eu já fui um alpinista. Gostava de escalar muitos montes de areia das construções próximas lá de casa. Mas não era o pico o grande objetivo. Bom mesmo era cavar um buraco e fazer dele o melhor abrigo da face da Terra para guardar meus pés. Assim como a gente faz com as coisas importantes, eu os enterrava. Eles ficavam em silêncio e quando eu os tirava dali sempre vinham vestidos com uma camadinha de areia. Eram minhas meias de vidro que iam se perdendo no caminho. Por isso, a única coisa de valor que eu levava pra casa era o silêncio - e ele me feria mais que vidro. Com o tempo, fui ganhando muitos silêncios das pessoas. Com o tempo, eles começaram a virar segredos. Com mais tempo ainda, eu comecei a virar vidro.
Nunca mais fiquei descalço.

Calhar


tomar um banho de calha
mesmo que só valha
um trilho de água
uma velha gripe
ou um nó na calçada

um abraço de malha
no corpo que molha

assim eu fico de molho
expondo ao vento
por uns tempos

secando a mágoa.

Supernormal


Minha infância foi uma bosta. E devo isso ao meu herói favorito: o Supernormal. Tenho vários gibis dele, e todas suas "aventuras" me inspiravam de um jeito...Ele era do tipo que ficava sempre à beira dos atos. Um cidadão exemplar. Não tinha namoradinha, nem namorado. Dava preferência aos idosos na fila das loterias e nos sistemas bancários. Visitava a mãe duas vezes por semana e conseguia acordar às cinco da manhã aos feriados e 'dias-santo'. Tinha um vira-lata verde introspectivo e de pouca conversa. Para renovar sua carteirinha de empréstimo na Biblioteca Municipal, sempre doava um livro de Boas Maneiras.
Vivia feliz sem o perigo das expectativas como se o tempo fosse algo monótono. Não se queixava. Sua magnitude era conseguir estar sem ser. Eu sabia que havia um calor brando em sua presença. Era quase transparente. O mais incomum, era que nunca consegui encontrar um boneco do Supernormal.
E já fazia algum tempo que seus gibis não chegavam mais às bancas. O jornaleiro me disse que na edição
de Maio do gibi ele tinha se aposentado porque o mundo estava ficando muito sistêmico e ele não conseguia acompanhar. 
A partir daí eu comecei a crescer morrer e não parei mais.

...
- O que você vai fazer se o mundo acabar no final do ano?
- Eu juro que eu morro.

Eu (casco) fora

Só naquela boca eu pude encontrar quase quinze tons de rubro enquanto ela lia um fragmento de carta recém-recebida de Moscou. Seu pai estava bem, mas não era isso que dizia na carta. O remetente era um amigo monótono que estava prestes a mudar de apartamento porque sua tartaruga estava envelhecendo muito rápido por falta de silêncio e tranquilidade. Eles precisavam de um abrigo imediato antes que a tartaruga completasse 31 anos. Por falta de espaço, ela aceitou apenas a tartaruga.
Já se passaram duas semanas, e elas não tinham trocado uma só palavra. Sua relação era apenas de olhar e sentir a incompatibilidade entre suas velocidades de beber a vida. Foram-se mais duas semanas silenciosas, e ela sentiu que a intimidade estava demorando muito pra chegar. Ela resolveu pintar todo o casco da tartaruga com aquele batom rubro. Vendo aquela superfície só pude encontrar apenas 4 tons, todos foscos. A tartaruga não colocava mais a cabeça para fora desde aquela mudança. Quando ela se aproximou do casco, percebeu que estava vazio. Só havia um bilhete:
"Agradeço apenas os olhares, porque essa cor que você me pintou faz muito barulho e me tira do sério. (Agora compreendo os beijos.) Ele queria abraçar o tempo por mim, e você queria me mudar. (Eu já faço tudo isso há algum tempo.) Não me procure, (estou tentando ficar transparente)."

Reparo

Não há palavras, nem título, nem frases, parágrafos, nem embalagens Tetra Pak que resista à validade de um pequeno sopro de absurdo. E esse que eu vou te falar daqui a pouco é só pra ilustrar aquele produto que saiu de linha. Como chama mesmo? ... Cadáveres mecânicos. É que acabei de comprar um numa loja de raridades. O único defeito era a falha num mecanismo que fica do lado esquerdo do peito. Mas nada que um pouco de saliva não consertasse. Agora ele bomba. Desorientado. Enfim me identifico.

Intermitência

Sacadas sempre lhe davam certa preguiça. E era por isso que ele as adorava. Aquela do vizinho da frente mesmo, era um aconchego que só. Tinha apenas uma cadeira espaçosa e um vaso de plantas autistas rogando por algumas regadas. Todo dia, exatamente às 19:00 o gato chegava pra deitar ao lado do vaso. Havia um mistério ali, porque o gato sempre dava umas piscadas em direção à cadeira. Os gatos não são contemporâneos. Eles devem viver em outro tempo - ou mais pra lá ou mais pra cá. Todo aquele silêncio felino pode ser tanto do tédio de um agora já batido, como de um nestante ultrapassado. "E vai saber, como as 243 noites varadas à assaduras e biritas".
Tout le
monde

est un
démon.

Sujeito


Seurat morreu sem saber o que é bluetooth
E eu, continuo vivo sem saber
Sobre os quais dos quês

Um porquê me disse uma vez
"Porque eu sinto."
Aí eu apenas compreendi.
Hoje eu queria falar da língua. Da língua como chave - das fechaduras que abrem portas flácidas pra certos cômodos que modificam a cada lambida. Interiores fora do corpo. Além-pele, além-osso, além-olhos...
a lembrança.

Andasandália


a sandália
esfria
fora do pé.

faz vento
dentro
da mão
da mãe
que batia.

a sandália
desfila
passa por ela
própria
na passarela.

com correia
sem correria.

eu te ando!

anda sandália
andança.

e o que eu mais gosto de ser poeta


cada verso é uma fita
métrica de estrofe
mas não se pode medir
o quanto cada palavra sofre.

na rima.

por isso,

quando falo morte
eu crio um acorde
de acordo ao ímã
que a palavra acima
se/me faz mais forte.

e o que eu mais gosto de ser poeta é poder usar os versos na falta de

curativos
preservativos e
antidepressivos.

Amor no remo


terra à vista
mar à ilha
amar à milhas

maravilha!

Epidemia


eu tusso
tu tosses
ele tosse
nós tossimos
vós tossis
eles tossem.
...
- Eu malho braço, perna, bunda. E você?
- Faço flexão verbal.
Quem julga as pessoas conjuga os verbos.
Uma luz no fim do túnel.
Elétrica.

Naipes


es
péta-la

es
pera

es
perma

orgasmo ou
orvalho

          ambos

se      mo
o-     lham.

Plantas, árvores ou pessoas imaginárias


para o verde
a velhice é marrom

com transparência ensanguentando
saliva chuva

é a seiva nas veias

planta é esperança em folha e
 flor
clorofila
colorida.

Longes


eu piro
e suspiro
quando
penso no giro
do mundo

cada ciclo
é tão preciso
ainda que driblo
ainda que sinto
supro

minto
m'sinto suspenso
no teu filete
de interesse
e nesse
vai e vem
vem gente
que pende

te ouço
e soluço
quando
penso no grito


fundo.

Robô


aqui   .a
lágrima
láva   .a
máquina.

Enchargraça


toda
toalha
molhada
_           dá
molho.

Sumiço


quando
a brasa
acende
a fumaça
esconde
o fumo
e some.

Encontro


encontro
         ...trocas

entre
      ..outros.


achar dinheiro é
encontrar o troco
do mundo.

Cartaz


uma anotação
de papel
num bloco
de construção.

Asterisco


um
astro
um cisco
um estrela
que rabisco.

Oceando


enquanto
a isca
 pisca
a luz
afunda


enquanto
a bola
   boia
a foca
afoga


e quando
o feixe veio
o peixe-boi.

Mini


uma planta
minina
mínima
será uma muda
   ou uma miúda?

Chapéu


quando
a brisa
   bate
a
aba
abre.

Elefante


entre a
ponte e o
monte só o
elefante
            ...ou o
elemento.

Pós


apo'strofos são
  po's
após.

eu apostrofo!

T(a)


  She t
Is      the
  Shit!

Clishirt


não           ...use
              ...mais
        ...a camisa do
mickey mouse
               ....ouse.

Fast!


the cat
       catch up
the hot-dog.

Microbeeológica


as abelhas
produzem a cera
e um zumbido
no meu ouvido.

Óbito

o vento move a nuvem
a gente move a morte
muda e molha a terra
a arte me move
o fim me comove
como quem vê um filme

como ver uma [n]ave?
livre?

À lacre

abri
dor de lata
coração em conserva
paixão em calda
se mais eu atraso
perderia o prazo
de validade
do rótulo.

Sonâmbulo

sonâmbulo,
vide a bula
do sono
fora do ângulo
de visão.

Um dia

o sol saiu
da urna

fez-se luz
diurna

azul ápice

encarde
na tarde

e surja
a lua.
...
- Tô azedo hoje.
- Quem sabe amanhã será um DIAbetes?
...
- Minhas fotos ficam melhor de baixo pra cima. E as suas?
- De fora pra dentro.

Noite

postes
pontos luminosos
no breu da civilização.

Matéria-prima

em meados de setembro
as palavras se revoltaram
e ainda lembro, como ontem
meu excesso de reticências
poluindo meus pensamentos
pontilhando os absurdos.

já estamos de acordo
a coerência foi meu escudo.

Civis

dois malandros andando
um gingado em sincronia
que eu reparei melhor à noite
do que à luz do dia

dispostos com roteiro pronto
num ponto de ônibus parado
quem sabia o que ali previa
dava-se o direito de ficar calado.

Hoje resolvi fazer diferente

Hoje resolvi fazer diferente. Ao invés dos pés, preferi colocar as mãos na lareira. Minhas luvas de carbono estão mais agitadas do que de costume. Os estalos eram provocados pelas teias de aranha e delas próprias. Perdão pela morte despretensiosa. Eu sei que é proibido. E agora, o que me preocupa mais, é saber como acender aquele maldito cigarro. Não vou te dizer que já faz um tempo que estes sapatos deram pra rir de mim também. Por isso! Você não acreditaria. Como sempre costumou fazer às 11:18, às 15:46 e às 23:02. Et voici votre livre stupide, servant de combustible pour mes lamentations. A campainha tocou uma vez. Outra vez. Outra vez. Antes da próxima, como reflexo, enrijeci meus dois dedos médios com muito gosto. Porque meu pau já estava. Desde que comecei esse parágrafo.

A.com[panhados]

A.com[panhados]
...

- Hahaha... Tu acha que meu humor muda muito na madrugada? Tô na dúvida.
- Parece que você está sob o efeito de entorpecentes, ou seja... muda!
- Sou um careta tão fodão assim? Me fume!
...
- ON?
- ...
- Non.

Avezzo


eu gosto da vida pelo avesso

iluminação diurna em postes noturnos
cartões públicos em postais telefônicos
uma estrela opaca
o primeiro trago
o último afago
linhas à mão
cadarços frouxos
sexo prático
autoabraço
chantagem artificial
amor em plural
o ponto inicial

interiores em capitais
pontos turísticos em interiores
os pardais:
vagabundagem em horários comerciais
solidão coletiva
o desktop e a lixeira,
apenas
salada delivery
bagagens à mão
peneiras herméticas
o balde do poço
o inferno de hidrante

arte morta
natureza-abstrata
dispenso best-sellers
sebos escassos
filmes em rmvb
hellywood is the end

C'est pas moi, je le jure!
palíndromos, talvez

e aquela estrela era um avião.

Calabo-capital


só um pó
que podemos ser
quando um sopro
provoca
de propósito
isto que já somos.
...
- Seu amor é anarquista!
- Em qual presídio te ensinaram isso?
...
- Você é fumante?
- Não, sou escritor.
...
- Só foi um mal de oficina.
- Obrigado pela manutenção de nos manter.
...
- Que horas são agora?... E agora?
- A gente muda mais que as horas.

Tudo eu

Hoje eu fui três.
Eu ri aos 12 às 13.
Me vi aos 20, tão 12.
Deixei-me ser mais um sem ser.

Ceio-te

hoje eu almocei só.
aos prantos no prato
com fome de como se come
quem de mim se serve.
...
- Olhar os dois lados ao atravessar a rua.
- Isso vale pro mar também?
...
- Me chamou de 'coisa' de uma forma tão romântica que eu pude ser tudo.
- Como anda o coração?
- Acabei de entrar num relacionamento. Eles me receberam bem.

Cãibras


já não sinto as pernas
são cãibras às pressas
contando um segredo
acumuladas e presas.

Ruído contínuo


o cordão umbilical se rompeu no corte
e eu perdi meu açoite
contagem regressiva me lança pra morte
eu, comigo, consigo
somos coletivos de pronomes oblíquos
conexões sujas de interjeições
ligações flácidas
carapuças rígidas

estou me divorciando do mundo
de bens, só quero os males
ainda que falem
de prejuízos profundos

cédulas vivas
células mortas

impossível
lucro maior que o suicídio.

era um 3x4
aquele retrato

desconheço o que se trata

hoje só não foi uma madrugada perdida porque eu te quis.

não que eu seja raso.
mas tu tem me transbordado
continuamente.
MEU CACHO É MACHO
E MINHA JUBA É TUA.
...
O que você está fazendo?
O que você está fazendo comigo?

Duas vicissitudes


tão rude
uma bolinha de gude
perdida, num açude.

joia de vidro é fraude!
-as putas gritavam amiúde.

duas vicissitudes.

Salto[a]mortal


foi o hóspede do meu solar
quem me deu essa lua
mais tua do que minha
beleza absurda quando caminha
um gesto em movimento
um beijo no camarim.
como sentir e saltar
de um trampolim, valentim.

Perma mente


O pior de gostar do gerúndio é que o tempo não respeita.
É o cúmulo só ser estático no túmulo.
Alguns momentos são para molduras.
Falo de agarrar uns agoras.
Para uma exposição interativa quando convier.
É fácil transbordar com tanto fluxo, difícil é preencher o conteúdo.
O instante é isso que acabou de ser.

Um show de calorias


...
- Tô cansada porque deitei tarde e acordei cedo.
- E valeu à pena?
- Valeu, tá valendo.
- Agora é deixar os efeitos colaterais de lado.
...
- Sério, porque por mais que eu tenha conhecido um rebanho de gente massa aqui também, os de sempre continuam, sabe.
- Eu sei como é. Agradeço a parte que me toca.
- Retribuo com a parte que me cabe.

Pescoço

meu pescoço é público
ereto e absoluto

o cerne de carne
que arde no grito
pelo medo do tiro

a lambida da lâmina
que adere na pele

é nele

o caralho de cima
que tua boca carimba.

eu desconfio que Continha anda à míngua. deu pra dizer pra eu quietar comigo toda vez que eu a lembrava dos gostos dela antes de casamento. não hesitei ao desaforo e dei duas voltas na mão com o corrião. só pra alertá-la a não brincar mais com paixão.

há quem ache
que quando a morte
vem de dentro
é arte.

mesmo que uma parte
fique viva
se há sorte.

Meio-fio II


eu passeio em teu seio
te limito do perigo
da tua esquina eu sou mamilo.

Fulano IV


hoje eu não ia falar das cidades
nem das relvas cinzas
nem das pedras verdes
quiçá dos atabaques ambulantes em frente à praça central

mas sempre há um mendigo insone
que repara na madrugada que arrasta
pelo sinal fechado da BR
vítima do excesso de não ter um nome.

um poema


uma lista de coisas vagas
que não cabem num poema
que não suporta uma rima
ainda que esteja acima da última estrofe

um pouco à esquerda da página
descendo rente à margem fixa
de um monitor tecnológico
poema é um conjunto de linhas psicológicas.

uns avisos


exatamente às seis
depois da matinê
estarei a pé e passarei pra te ver.

mas visite Matilde
leve Cartola, dois livros de bolso
e um pacote de alpiste.

vá de branco
os brincos, aqueles mesmos
as chaves estão com o porteiro.

levante às doze
apague as luzes de fora,
dois beijos inteiros e depois vá embora.

fique feliz
porque hoje descobri
que o agora é uma demora que virou fim.

cena erótica

tal como banhar-se pelo avesso
tuas pernas abertas são meu começo
quando olho a chuva nos novelos
tão rijos e atentos pós apocalipse de desejos
eu escolho as paroxítonas pelo contexto
do gesto, do gozo e do enredo.

aos pós


hoje mais cedo recebi uma carta vinda do Sri Lanka,
de uma freira desesperada por uma pulseira de miçangas
dizia que a vida estava boa mas tinha pressa
de se ver no espelho tão nua quanto morta
dizia também que era viúva em segredo
de um operário da fábrica de cimento
que morreu de infarto com impurezas no peito
um dia me visitaria, em meados de janeiro ou fevereiro
assim que não aguentasse mais comer pão velho de mosteiro.

aquela branquela

aquela branquela

de meias pelo avesso
feridas no joelho
e caspas no cabelo

era minha irmã
antes de morrer tão cedo
por uma dor no peito.

Os que alcançaram o Paraíso estão fazendo greve por um pouco de paz. De tanto ócio, estão provocando guerra contra si próprios. Se rejugando, refletindo, readvogando e rezando... tudo por uma justiça menos bruta e uma esperança de encontrar a liberdade nas condições escritas em letras miúdas no rodapé do contrato celestial.

Três II

já sabemos
que com ou sem
acabaremos bem.

Época

toda colheita acaba
se o tempo passa
se a chuva cessa
e a terra repara.
O instinto é um fato.
O infinito é um feto.
O início é uma foto.
Porque se ele analisasse os pratos milenares através do tempo, saberia comer lombo suíno grelhado ao molho de mel e aceto balsâmico ou outras regalias substituíveis. Mas felicidade mesmo é comer aquele sonho dormido da padaria da esquina com coca-cola goela abaixo sem nenhum remorso de aparência.