Sacro


Diante do espelho da penteadeira ela via como o tempo a definhava bruscamente. Via nos ombros o peso de anos de educação com os filhos, o amor gasto e monótono do casamento e as pequenas unhas de anos de labuta.
Muda, ela ajeitava o grisalho crespo dos cabelos. Prendia-os com uma presilha dourada em forma de borboleta formando um coque. No pescoço, uma fragrância amadeirada.
Esticou um pouco o braço e puxando a alça da bolsa, levantou-se. Seguiu em direção a cozinha. Embaixo do pano bordado que estava sobre a geladeira estavam algumas moedas do troco das torradas. Não teria outro plano pra elas senão o dízimo.
18:47. Para uma missa que começará às sete e meia, saía àquela hora pra dar tempo achar um lugar pra sentar. Os jovens de hoje não nos respeitam mais.
Caminhando lentamente com a cabeça pra baixo seguia seu percurso. Quando se atinge certa idade, o cuidado com si mesmo dobra por qualquer besteira. E nesses pequenos passos chega ao seu destino.
Não tinha muita gente na igreja, somente pessoas com o mesmo propósito que o dela. Sentou-se. Dali tinha uma excelente visão do altar - bem de frente, nem muito longe nem muito perto.
Abriu a bolsa e tirou dali uma bíblia miúda e com páginas soltas. Quando se ganha um presente de uma pessoa importante devemos usá-lo até o fim. Folheava-a até encontrar os Salmos. Novamente, pôs a mão na bolsa e tirou um terço transparente para marcar a página dos Salmos. Fechou a bíblia, olhou pra trás e percebeu que a igreja se enchia pouco a pouco. Com o silêncio, os fiéis só ouviam o ruído devastador e antigo dos ventiladores rotatórios enquanto as mentes se calavam com as imagens curiosas e proféticas dos vitrais.
Aquele era o único momento em que a igreja se mantinha pura.




William Gomes, 12/04/2008