Semear

A flor cheirosa dela
Oca, enforca a vara
Da manivela
Que dispara.

A flor amorfa dela
De sêmente é regada
Abrindo-se à noite
De dia mijada.

Minha ex
Extinguiu léguas, anos e luz até aqui
Expandindo minhas crenças e ilusões
Extasiou-me com suas técnicas orgásticas
Explicou-me sobre os discos e distorções.


Minha ex
Exatamente no cerne da felicidade
Expressou uma triste nostalgia
Excitada por suas velhas memórias
Excetuou-se de minha órbita e carícias

Minha ex
Minha extraterrestre.

In him

Posto sobre o teto
Tinha um sol
Posto sobre um teto
Ora azul, ora fundo
Profundamente sãs
As idéias são presas
Dentro da cuia vitral
De distração canta
Um Redentor ao relento
Um samba sacana.

A naftalina e o café

Era uma sexta de Janeiro. No instante da troca da tarde com a noite, vejo a cara lamentavelmente exausta da moça do caixa do supermercado. Entro na locadora de DVDs e sigo diretamente pra minha seção favorita. Quando os olhos apresentam à mente as capas dos filmes já vistos, e também dos ignorados, abruptamente inalo um forte cheiro de naftalina. Com isso, todas as capas tornaram iguais. Ao olhar para trás vi um corpo magro de cabelos torturantemente presos num palito de madeira enfeitando um vestido estampado com quadrados de várias cores e tamanhos. Esse cheiro me fez imaginá-la no seu quarto, abrindo a última gaveta do guarda-roupa marfim vestida apenas com um sutiã e uma calcinha, ambos cor de pele. Sorte aquele vestido estar acima de todas as peças. Isso a fez escolhê-lo sem pensar muito, ou quase nada. De tão jovem, não imagino que ela própria tenha colocado as naftalinas lá na gaveta. Isso é coisa de empregada asseada e bem-paga. Provavelmente sua casa era limpa e arrumada. Só não entendo uma coisa: o que toda aquela magnificência estava fazendo na seção de filmes de Ação? Ela era antagônica a todas aquelas capas com explosões, carros, chineses e/ou japoneses em posição de combate, títulos com cores chamativas e fontes grandes, típico dos filmes de ação. Ela que tanto parecia com aquelas personagens de filmes dramáticos, românticos, que nada mais são do que sonhos e fetiches de seus autores. Ela que transmitia tanta calma e mistério ao espectador.
-Eu quero esses três! – era uma menininha autoritariamente infante que apareceu junto dela. – Já escolhi.
-Mas esse aqui você já viu várias vezes. – a nossa mocinha responde.
-Quero ver mesmo assim!
-Tá bom. Vamos.
Elas duas seguem pro balcão pra receber os filmes.
-Não precisa de sacola. Obrigada.
Ela sai da locadora e se vai.
Talvez ela fosse mais uma moça à procura de uma vida mais agitada, com sequências mirabolantes e fatos inusitados e estivesse cansada de todos aqueles amores utópicos. Ela não podia mais esperar, seu fervor estaria a um triz da explosão e a mudaria radicalmente. Como aquele dia era sexta-feira e ela tinha locado três filmes, plausivelmente os devolveria na segunda.
...
Era uma segunda de Janeiro. No instante da troca da tarde com a noite, vejo a cara dissimuladamente feliz da moça do caixa do supermercado. Entro na locadora de DVDs e sigo diretamente pra minha seção favorita. Quando os olhos apresentam à mente as capas dos filmes já vistos, e também dos ignorados, abruptamente inalo um forte cheiro de rispidez com café. Ao olhar para trás vi um corpo gordo de cabelos tristemente grisalhos e presos em vários grampos enfeitando um vestido de cores mortas. Essa mulher foi devolver três filmes infantis. Possivelmente, essa era a mãe da nossa protagonista. Ela tinha um aspecto ranzinza, daquelas que faz questão de manter os costumes severos e ultrapassados de seus antepassados. Daí surge a causa do possível retraimento da nossa jovem.
A velha sai sem retribuir o agradecimento e vai.
Fico esperançoso ao imaginar o dia em que a nossa moça desabroche e goze com todas as suas vontades, grandiosas e íntimas. E assim, possa ter a coragem de locar um filme de ação pra saber que a vida é muito mais que aquilo.

Goteira

o tempo mantinha os suspiros fúnebres sob suas vestes:
as capas de chuva de pontas e pulsos;
e os libertavam em quedas morosas sobre as casas
que silenciam nos fins de tarde dominicais
ao mesmo tempo em que:
a diversão acaba com o banho
o velho deixa o banco só na varanda
a mãe engoma a farda do filho
e a alegria dorme
e descansa.

Contagem progressiva

3, 2, 1, pronto! Agora é a vez de pararmos de ser medíocres com nós mesmos.
Como foi difícil ter de responder àqueles Felizes acompanhados daquela velha obrigação educativa. Com isso, incumbiu a mim e a outros de retribuírem toda essa cerimônia com o mesmo grau de hipocrisia – às vezes até com um pouco a mais – apenas para não sermos as ovelhas-negras de um velho pasto “casto”.