...
- O amor é feito pra quê?
- Pra gente gostar de ser.
e por falar em bagagens, ninguém é básico.

Questão de tempos

de tempos em tempos,
eu me,
de ti,
detenho

de tempos em tombos,
te vi,
em mim,
movendo

de tantos encontros,
tive que,
em torno de tudo,
descolorindo

de frentes em versos,
me li,
em troca de nada,
divertindo.

Sou de Câncer ou O horóscopo é pouco

antes de qualquer signo
eu sigo
digno
de todo sentimento que me dão de beber
e o horóscopo, rs
é muito pouco
diante do copo
de sensações que me umedece.
para ouvir a eternidade eu guardei uma abelha num cubo de papel.
mas ele afundou.

Braille comigo

porque eu só vou calar quando você fechar os olhos
e nos sonhos dos outros eu costumo ficar em silêncio
por isso, não me leia
braille comigo.

To me

transcrevo
tua tez to me
___texto-me.

a cicatriz do segredo é o silêncio

a cicatriz do segredo é o silêncio.

nem o vento respeita as cortinas
mas eu suspeito que elas sabem disso.

quando eu estou na sala eu também existo.
quando eu estou em você sou fictício.

ainda não souberam me dizer o que é verídico
e quando eu aprender eu também omito.

Não tem goteira no manicômio

não tem goteira no manicômio. não tem fé na cafeteira. mas eu não temo quando o assunto dilata porque ficou um pouco da chuva de setembro em cima da telha que não escorre, ainda que qualquer estrela assuma seu brilho de ego diante de qualquer cometa há anos luz piscando dias cotidianamente como quem não quer nada de novo no foco, como quem não sabe se foge ou se fogo. não tem. não tem nem um pouco de lama suspenso no cadarço branco aderindo passo-a-passo rente ao asfalto morno de cadáver de bicho noturno. não tem uma pausa pra mariposa presa na dianteira do automóvel, toda imóvel a bichinha, de tanta velocidade na cara de aventura ficando sem ar de tanto respirar fluxo.
só tem um cego que acabou de passar na rua fazendo barulho de bengala com seus passos surdos.

Macro

a ponta ria
pra língua na tela
               notá-la

dando corda.

Qualquer coisa da maior importância

uma linha em negrito percorreu por mim em traços firmes da ponta da imaginação até o dedão do pé da tua cama. onda a onda em teu lençol, galgava entre pérolas daquele colar de contas. não façamos de conta que o pedido não é nosso; e dispostos na mesa uma vez, em transe viemos à tona. e agora apronta que eu quero aquela ponta, de comprometimento. chega de cinzas sozinhas. agrida-me com tudo aquilo que deixamos no ar, como arma para nós mesmos. desarmaremos para amar. sejamos qualquer coisa da maior importância pendurados de desejos muitos, mútuos, múltiplos. místicos.

Quando o corpo é a casa, a casca e a causa

a bolha é tão boba
que bóia e que voa
sem ter asa

ainda que seja a casa
onde o ar abriga e abraça

ainda que seja a causa
onde mora o riso quando alguém assopra

e mesmo que a sopa esteja quente
eu sopro pras letrinhas
virarem palavras minhas.

Cúmpli-se

o vento deixou de molho
em lágrimas
um cisco
em mim

invento quem eu deixei
em lástima
e pisco
pra mim.

Chove barulho


Lixo comedido

Antes de ser, eu tô aqui sendo. Eu estou em fase de retribuição. Assim eu me divulgo e vou vagando no mundo com nossas construções. Umas ficam pelo caminho, meio inacabadas. Meu cimento é pouco para tanto tanto capricho. Estamos num lixo comedido. Eu sigo conosco além do que minha própria tez se faz intacta. Eu gosto do "in", eu sou o "it"... Eu gosto do insubstituível, do insano, do introspecto, do indivíduo em SÓ... perdão, do indivíduo em SI. Em síntese, eu somo. Eu sou o que há de nós, e de nós para aquele jardim de acácias e vivências e existências. Eu sou o que há em nós. Talvez sejamos em mim, um alguém tão mais que há de vir e chegar - e sobretudo, se sentir bem. Vamos falar de acúmulos que, de tão pouca audiência, ainda é demais. Vamos falar daquilo que cabe dentro da gente. Vamos falar de po-dri-dão, por que não? Sejamos apenas aquilo que nos move. Ou aquilo que nos comove. Movimentamos no outro além de nosso próprio transporte. Melhor que romper sozinho é rompermos unidos. Vamos nos corromper!

Por que quando eu falo em primeira pessoa você acha que sou eu?

Por que quando eu falo em primeira pessoa você acha que sou eu? Eu caiu em cima de um monte de camisas amassadas. Eu gostou de roçar na parede pela primeira vez - e ainda gosta. Eu bebeu pra vomitar sua sobriedade em cima de uma estampa desenhada através de - como é mesmo que chama? - hialografia. Conjulgo as coisas num estado de cooperação emotivamente egoísta sempre que me dá um conforto bacana quando sinto que esse bolso só tem espaço para mim, com ou sem botão. Mas, se puder, me ajuda a fechar esse zíper porque eu esqueci de me virar pelo avesso antes de entrar aqui. Continuamente, por favor. E nós? Você sabe dar? Cegos, surdos ou de 4? Dê um nó de 4, então. E me ter, você sabe? Depois de constantes transbordamentos nos últimos tempos eu desaprendi de me ter. E me tinha melhor quando era mais hermético como uma lata de sardinha. Lembro que podia caber tranquilamente um mar inteiro lá dentro - além de mim, claro. Eu juro que construí até um porto naquele pote em tempos de tempestade. Mas a bonança destruiu. Fiquei tão raso que faltou fôlego para afundar de uma vez. Ande logo com esse zíper ou corra com essa faca. Percorra! - léguas faiscando estrelas com essa ponta no asfalto.
Eu morreu.
Eu _ _ _ri.

Um pedaço de plástico-filme de ação

Da padaria até em casa gasto 5 minutos. Tempo suficiente para a cereja do pedaço de bolo de chocolate morrer asfixiada com o plástico-filme. Diferentemente de como faço sempre, hoje eu comi a cereja antes. Senti uma leve ardência - talvez tenhamos esse mesmo sabor, quando a morte nos morder algum dia. A digestão varia de pessoa pra pessoa. Mas eu penso que a digestão DE uma criancinha deve ser tão rápida quanto a de uma maçã - ou de uma minhoca, segundo um peixe de aquário que eu tinha em 2004. Vivia faminto. Uma vez eu li que os filmes também podem ser digeridos. Que um curta é feito de minutos e exibição. Uma fruta também. Já um bolo possui muito mais ingredientes. Assim como nós.
E assim como um bolo, eu gosto de ser mordido. Assim.

Eu já fui um alpinista

Eu já fui um alpinista. Gostava de escalar muitos montes de areia das construções próximas lá de casa. Mas não era o pico o grande objetivo. Bom mesmo era cavar um buraco e fazer dele o melhor abrigo da face da Terra para guardar meus pés. Assim como a gente faz com as coisas importantes, eu os enterrava. Eles ficavam em silêncio e quando eu os tirava dali sempre vinham vestidos com uma camadinha de areia. Eram minhas meias de vidro que iam se perdendo no caminho. Por isso, a única coisa de valor que eu levava pra casa era o silêncio - e ele me feria mais que vidro. Com o tempo, fui ganhando muitos silêncios das pessoas. Com o tempo, eles começaram a virar segredos. Com mais tempo ainda, eu comecei a virar vidro.
Nunca mais fiquei descalço.

Calhar


tomar um banho de calha
mesmo que só valha
um trilho de água
uma velha gripe
ou um nó na calçada

um abraço de malha
no corpo que molha

assim eu fico de molho
expondo ao vento
por uns tempos

secando a mágoa.

Supernormal


Minha infância foi uma bosta. E devo isso ao meu herói favorito: o Supernormal. Tenho vários gibis dele, e todas suas "aventuras" me inspiravam de um jeito...Ele era do tipo que ficava sempre à beira dos atos. Um cidadão exemplar. Não tinha namoradinha, nem namorado. Dava preferência aos idosos na fila das loterias e nos sistemas bancários. Visitava a mãe duas vezes por semana e conseguia acordar às cinco da manhã aos feriados e 'dias-santo'. Tinha um vira-lata verde introspectivo e de pouca conversa. Para renovar sua carteirinha de empréstimo na Biblioteca Municipal, sempre doava um livro de Boas Maneiras.
Vivia feliz sem o perigo das expectativas como se o tempo fosse algo monótono. Não se queixava. Sua magnitude era conseguir estar sem ser. Eu sabia que havia um calor brando em sua presença. Era quase transparente. O mais incomum, era que nunca consegui encontrar um boneco do Supernormal.
E já fazia algum tempo que seus gibis não chegavam mais às bancas. O jornaleiro me disse que na edição
de Maio do gibi ele tinha se aposentado porque o mundo estava ficando muito sistêmico e ele não conseguia acompanhar. 
A partir daí eu comecei a crescer morrer e não parei mais.

...
- O que você vai fazer se o mundo acabar no final do ano?
- Eu juro que eu morro.