Orquídeas

O que ele tinha dito era grave demais para não se incomodar assim que fechasse a porta. Olhou-a mais uma vez e antes que ela se levantasse arremessou a estátua nua e opaca sobre sua face. Eram dois corpos espatifados se confundindo sobre o carpete amarelo-giz que se coloria rapidamente. Esperou um dos corpos parar de se debater loucamente para então sentar e captar o silêncio que anunciava a presença da morte. Imediatamente percebeu que a vagina da estátua havia parado rente ao seu pé direito e apanhou-a depressa antes que sumisse de vista. Ao guardá-la no bolso da frente da calça viu no relógio que já passava das 18:00. Caminhou até o quintal para molhar as orquídeas com a água que sobrava do regador. O serviço foi interrompido instantaneamente ao deparar-se com aquelas azuis. Levou-as até a sala substituindo as vermelhas que já estavam no vaso e que davam ao ambiente um ar de vulgaridade. Havia muito vermelho ali. Admirou-se ao perceber o contraste que o azul fazia. Estava feito. Embrulhou as flores vermelhas e foi-se embora com elas. Já era noite.
Parou num bar para tomar um suco. Havia uma mulher ao lado da cadeira vazia que estava entre eles. “E essas flores?” “O que tem?” “Fruto de algum encontro não acontecido?” “Não. Talvez de algum futuro encontro investido.” “Não é de costume homem andar com flores por aí.” “Nem de mulheres seguirem homens por aí.” Ele colocou o dinheiro sobre o balcão e saiu pela rua sem olhar para trás. Ela também veio. Não era do tipo que aceitasse que uma conversa terminasse sem a última fala ser sua. “Tem cigarro?” Gesticulava com os dedos esticados tocando nos lábios. “Não fumo.” “E ocupa seu tempo ocioso com o quê?” “Captando o silêncio.” Uma fumaça de ironia desenhava espirais no ar. Ela acendia um cigarro que havia encontrado na bolsa. “Então me mostre o que o seu silêncio tem de tão interessante. Porque eles costumam ser todos iguais.” Continuavam andando, ela fumando o silêncio e a última fala havia sido dela. Estava tudo certo.
O chaveiro roçava na porta de vidro provocando uns ruídos imperceptíveis. Ele acendeu a luz. Os olhos dela percorriam o estranho cômodo ao passo que deixava cair sua bolsa sobre o sofá. Ela parou diante da parede vazia e entendeu o quanto ela desejava um quadro em si. O silêncio sensibiliza os sentidos. Então, naquele momento, ele se viu arrebatado por uma inspiração nefasta e a derrubou sobre o carpete imobilizando-a completamente. Penetrava-a calmamente para amaciar os músculos. Ela se estremecia impossibilitada de produzir qualquer ruído. Agora os sentidos perderam sua sensibilidade e se mantinham cúmplices e atentos. Ele aproximou o canivete de sua vagina e começava a cortar sua pele no formato exato para encaixar a vagina de mármore que estava em seu bolso. Pressionava a peça fatalmente contra o corpo, mas o sangue impedia que se fixasse.
Não adiantava: uma arte nunca deve ser forçada.

1 glosas.:

Vanessa Vale disse...

Estou maravilhada diante do texto e seus detalhes.