Vende-se

Vou me amar
Se quiser vem também
Até porque não sei por onde começar
Desde que comecei por você.

Vou me matar
Se quiser fique aí
Até porque sei onde tudo isso vai dar

Desde que comprei você.

Pra tudo um pouco

Domado por um sentimento mais que conhecido de tédio, ele foi dar uma volta pela cidade a dentro com apenas oito reais e um MP3 aos ouvidos transformando todo o mundo numa televisão muda naquela manhã - o que na verdade é, e não faço a mínima idéia de quem esteja com o controle. Percebeu uma movimentação maior de pessoas do que nos outros dias. Com isso, percebeu que hoje era sexta-feira: dia da semana em que o povo da zona rural vem à cidade fazer compras.
Na verdade ele estava à procura de uma chave-teste, daquelas que coloca no pólo positivo da tomada e acende a luz. Porém, onde procurou não encontrou. Voltando pelo mesmo caminho, agora sem fones e som porque a pilha tinha acabado, conseguia ouvir muito bem o que as pessoas estavam conversando. Como se seus volumes estivessem ao máximo. Elas estavam organizadas em pares, trios ou quartetos. E ele lá: só. Deu-se a atenção na conversa mais próxima e bem explicada de duas moças que iam à sua frente. E ouve entre elas:
- Tô vendendo bilhetes de rifa. Compra pra tu concorrer.
- Concorrer o quê?
- Um MP4. É um real cada bilhete. Já vendi quase a metade. Tá novinho!
- Agora não posso não. Deixa pra depois. Mas se eu souber quem quer eu te aviso.
- Tá certo, mas anda logo que tá acabando.
E assim seguiu as duas juntas sem mais uma palavra. Mudas. Apenas integrando o cenário que enfeitavam.
Depois que percebeu que o mundo não tinha mudado nada nesses últimos segundos ele sentia tanta falta de uma música.
Após uns oito ou nove metros de passos lentos avistou uma concentração desorganizada de gente ao redor de uma voz sotaqueada vinda de um microfone:
- Ó que beleza minha sinhora! Pega pra cê ver! Iss’é de qualidade! Coisa de primeiro mundo!
E ele aproximou. Não chegou muito perto. Dali mesmo dava pra ver uma cabeça com chapéu de couro indo pra lá e pra cá. E essa cabeça gritou:
- Você! (Não se preocupem não era nosso personagem.) Sim mocinha, vem cá!
Surpresa e roubando todos os olhares daquela gente ela foi.
- Vamo fazê uma mágica! Sigura estas duas pontas desse lenço e eu siguro as outras duas. Dêxa isticado! Agora vamo colocá divagá em cima dessa mesinha sem soltar ele. Quando eu dissé: levanta, cê levanta o lenço.
E foi o que fizeram. Sob aquele lenço marrom estava o anel daquela moça que nem eu e aposto que noventa por cento de quem tava ali sabia como foi parar lá. Depois de cinco segundos em silêncio, o povo aplaudiu. Mas o povo você sabe como é, né? Aplaudi mas sabendo que ali tem coisa. E a moça ficou perplexa com aquilo tudo. Pela fisionomia dela não parecia que era artimanha daquele humilde mágico. Digo humilde porque logo seguido os aplausos ele dava uma parada pra uma propaganda de um composto de mandacaru que ele mesmo vendia.
- Sabe aquela dor de cabeça, meu sinhô? E aquela dor nas costa, nos ombro, nas perna? E na hora boa o trem lá num sobe? Tudo isso acabô! Depois de tomar duas colher por dia de Elixir do Sertão, todos esses incômodo irão imbora. Ôpa! Aquela sinhora ali quer um. E o sinhô tamém? ... Tá aqui seu troco. Agradecido! - e qualquer um por ali grita:
- É quanto o remédio? – de imediato vem a resposta:
- Né remédio não amigo. Iss’ aqui é a resposta pro seus problema. Só custa oito reais, rapaiz.
Um grita lá, outro aqui. E vendido mesmo: sós dois elixires.
Nosso personagem principal, que já ia me esquecendo, deixou a multidão e seguiu pra casa. De certo, achava as mágicas um tanto boas, apesar de serem simples. Contudo, pra um pessoal que nem tem costume de circos e outras distrações além do trabalho, ficaram bem deslumbrados. Bem que ele poderia comprar um elixir daquele. Não que acreditava, mas pelo menos pra ajudar aquele vendedor na volta pra casa. E foi o que fez.
De troco, recebeu uma mágica: daquelas que o mágico tira uma moeda de sua orelha. Mesmo sendo uma moeda de cruzados, ele aceitou. Valeu à pena. E pensar que nem na TV tem uma propaganda tão interativa quanto essa! Por fim, ele foi pra casa acompanhado do Elixir do Sertão, que na verdade não serve pra outra coisa senão...

The last cookie of the package

acordei logo quando estava vivendo
e agora vou de encontro ao fim.
cena de Não Estou Lá

Vitamina C


"Sim, sim, sim, era isso. A mocidade tem que passar, ah é. Mas a mocidade é apenas ser de um certo modo, como, digamos, um animal. Não, não é somente ser assim como um animal, mas também ser como um daqueles brinquedinhos malenques(pequenos) que a gente videia(via) vender na rua, assim tchelovequezinhos(homenzinhos) de lata com uma mola dentro e uma borboleta do lado de fora e quando se dá corda, grr grr grr, ele ita(ia), assim andando, ó meus irmãos. Mas ele ita(ia) em linha reta e bate direto nas coisas, ploque ploque, e não pode evitar o que está fazendo. Ser jovem é como ser assim uma dessas maquininhas malenques(pequenas).
Meu filho, meu filho. Quando eu tivesse meu filho eu ia explicar tudo isso pra ele quando ele fosse estarre(velho) bastante assim pra entender. Mas aí eu sabia que ele não ia entender nada e ia fazer todas as véssiches(coisas) que eu tinha feito, talvez até matar alguma coitada duma forela(otária) estarre(velha) cercada de cotes e cótchecas(gatos e gatas) miando, e eu não ia ser capaz de realmente impedi−lo. E nem ele seria capaz de impedir o próprio filho dele, irmãos. E assim ia itar(indo) até o fim do mundo, rodando, rodando e rodando, assim como um bolche(enorme) tcheloveque(homem) gigantesco, assim o velho Bog(Deus) em Pessoa (por cortesia do Leite−bar(leite com drogas) Korova) girando e girando e girando uma laranja vonenta(fedorenta) e gréjine(suja) nos seus rúqueres(mãos) gigantescos."
Livro: Laranja Mecânica de Anthony Burgess