Lepidóptero

Vejo que a claridade do quarto está piscando mais ligeiro do que minhas pálpebras. Não, a lâmpada não está defeituosa, é apenas uma mariposa do tamanho do meu polegar percorrendo repetidamente a sua órbita lumínica sem ter uma vaga noção do caos que provoca em mim com esses piscamentos. Daqui do sofá tento acompanhar as espirais que ela faz, dando liberdade à sua própria sombra ser o que quiser. São voos um tanto grotescos e toscos para um ser frágil. Num piscar de olhos, não mais de lâmpada, ela se exorbita e faz um pouso forçado sobre mim. Naturalmente, minha intenção naquele momento era dar um picotê na mariposa, mas contive há um palmo daquele olhar curioso e ingênuo: a única coisa dela que anda a par com a beleza. Encaro-a e sinto que tem algo a me dizer, mas antes que eu começasse a descobrir qualquer um de seus segredos, ela alçou um vôo que pareceu mais um salto por ter levado-a rapidamente ao chão. Mesmo assim ainda consigo vê-la imóvel, atenta e audaz no último degrau da subida da escada. Quem sabe fugiu não porque seus segredos tendiam a serem mostrados para mim; e sim, porque havia descoberto os meus antes e pode ter encontrado nada inocente neles. Se ao menos ela soubesse o que é ser humano, sabia que a maioria dos segredos é assim, exceto por aqueles que são descobertos na infância, deixando destarte, o título de segredos. Enquanto trocamos olhares, aspirações e sonhos, ouço passos rumorosos nos degraus. É minha irmã trazendo cream cracker coladas com margarina. Como não descobriu o ato inocentemente mortal que acabou de cometer, só lhe restava continuar andando rumo ao seu quarto deixando nas pegadas um finíssimo pó vindo do cadáver devaneador grudado pelas próprias vísceras em seu sapato. Continuei observando aquele rasto empoeirado até o vento que vinha da janela do quarto ao lado misturá-lo com a poeira frívola da casa.

Erupção

Para se expor ao sol
o osso força a carne frágil
como o magma impulsionado
pelo vulcânico orgasmo.

Súbito

Amputarei as pernas do tempo
Para que ele voe, voe
Por entre as dores
Irei passar como um passarinho
Bicando ressaibos no cimento
Do quintal da casa que ninguém está.