Após duas horas de seu almoço dominical, Edgar foi trabalhar no que de melhor ele sabia fazer: cortar árvores. Eliminava-as sem nenhum remorso, e sua idade avançada e a necessidade do dinheiro o ajudavam a sentir assim, sem uma folha de sentimentalidade ambiental. Dessa vez, era uma árvore que ficava fincada próxima à porta do cemitério, e assim atrapalhava a ampliação da entrada. A direção do cemitério resolveu aumentar a largura do portão, talvez para receber os futuros hóspedes mais confortavelmente, e aquela árvore não deveria estar ali. É uma majestosa árvore, de folhas compridas e cintilantes que há tempos vem testemunhando as lamúrias dos vivos e as confissões dos mortos. Edgar chegou meia hora mais cedo do combinado acompanhado de um facão e pulsando determinação nas veias. Começou trepando a folhosa parecendo um menino astuto, sedento por aquela goiaba lá no alto, e depois se acomodou entre certos galhos e começou a amputá-la violentamente sem dar ouvidos ao que ela lhe dizia. Rapidamente o chão estava coberto de galhos, braços, pernas e dedos, desenterrados. As almas acordaram por causa do barulho profundo do facão e ficaram observando, quase vivas, aquele momento que fazia do cemitério um teatro onde aquela peça é interpretada melhor do que os funerais a que estão entediadas de assistir. Se pudéssemos vê-las ali, ficaríamos encantados com o modo de se organizarem como platéia. Enquanto isso, Edgar conversava com o zelador do cemitério dizendo que já tinha derrubado uma mangueira naquela manhã, e consequentemente o dinheiro da cerveja já estava feito. O sol já lambia as convexidades peludas dos montes quando a entrada do cemitério se sentia nua pela ausência da árvore. Edgar vai-se caminhando, sem pressa. As almas aplaudem o fim do ato, e a carência regressa às suas fisionomias; agora só lhes restam deitar sobre suas camas ósseas e sonhar com lembranças futuras de uma nova vida. Enfim, anoitece e silencia.