Um parágrafo hermético


Enquanto ela abria a porta, o chaveiro batia no vidro avisando sua chegada.

Todos os espíritos que viviam ali se escondiam atrás do sofá da sala. Exceto a menininha distraída que estava ajoelhada vendo sua foto no porta-retrato em cima da mesinha de centro. Ela tentava se lembrar daquele dia, seu aniversário. Encontrar qualquer ligação que pudesse se conectar àquele momento. Mas é que fazia tanto tempo, que ela nem conseguiu reconhecer ninguém. Um vazio batia no seu peito como um soluço mudo, ou uma fumaça. Nunca tinha encontrado nenhum registro vivo que ainda a pudesse manter viva. Nem cartas, documentos, certidões, contas, desenhos, uma nódoa num vestido. Nada. E sabia que não se pode confiar nas lembranças das pessoas. Agora ela resolve fazer sua própria história.

A menina da fotografia acaba de entrar na sala. Um pouco diferente por causa do tempo.